5 de jan. de 2017

Quero sair da vitrine e ficar no fundo da prateleira!


Quero sair da vitrine e ficar no fundo da prateleira!

Nada está mais banal que os relacionamentos.

São tantas formas para se relacionar “virtualmente” que estamos perdendo o bom senso, e confundindo a realidade.

Desejos são vendidos em vitrines, substituindo os sonhos e os sonhos confundidos com consumos impulsivos.

Outrora,

A paixão avassaladora crescia entre cartas e uma ou outra foto mal definida, o primeiro encontro era como uma lenda, um conto de fadas, algo tão esperado que chegava a dar náuseas e insônias de tanta sensibilidade e energias que este momento causava.

A espera pelo carteiro, a desilusão quando nenhuma carta chegava, e a alegria indescritível de correr para um lugar reservado e abrir a carta tão esperada, o inevitável tentar sentir o cheiro do amado (a) na carta, o carinho em manusear o que era apenas um papel com um pouco de tinta, nada se compara a este momento.

Quantos poemas,
Quantas palavras verdadeiras,
Quanto sentimento,
Quanta energia boa na espera do primeiro encontro,
Quanto valor, dedicação e comprometimentos envolvidos em um simples papel.

A primeira troca de olhares, o comprimento, o beijo na mão, quando ousado no rosto, uma caminhada no parque, o banco mesmo pequeno parecia imenso pelos poucos centímetros que afastava os amantes, que aos poucos entre trocas de olhares e palavras envergonhadas, de fato começavam uma relação de amor.

As dezenas de cartas trocadas eram suficientes para que cada um conhecesse ao outro a ponto de reconhecer as semelhanças e suas diferenças, desejos e sonhos trocados e muitas vezes divididos, muitos encontros se tornaram histórias de amor, eternas e das mais belas.

Toda intimidade era transcrita nas cartas, sinceridade, respeito, fantasias, decepções, tristezas, alegrias, dores, paixões e desejos eram trocados, de olhos fechados no conforte de suas camas, a imaginação criava “baseado” em palavras o “amor” de sua vida e assim ia-se criando uma relação de confiança, respeito e parceria onde o final seguramente seria uma relação verdadeira.

Conhecia-se pelo que era como pessoa e não fisicamente, a paixão, o amor, e a amizade era construída totalmente antes do físico tornar-se real e materializado em sua frente.

Amava-se pelo quem somos e não pelo que somos ou temos.

Nada era perfeito, verdade, a mentira já existe desde sempre, o interesse também, mas ainda haviam muitos sonhos.

Hoje,

O primeiro contato é visual, facebook, instagram, tinder, twiter, badoo, match e umas dezenas senão centenas de sites de relacionamentos, construídos em pilares totalmente superficiais, sem conteúdo, nem mesmo a essência do romantismo se encontra em qualquer site de relacionamento.

Fotos, muitas fotos, baladas, roupas intimas, roupas de marca, roupas fashionistas, nuds, carros poderosos, joias, lugares exóticos, ostentação e muita vitrine, corpos sarados, dentes reluzentes, poses e muito consumo, consumos e consumos, como gados em uma feira.

Ai você escolhe as mais lindas meninas, saradas, corpinhos modelados, narizinhos afinados, roupinhas justinhas, meninos com barriguinha de tanquinho, com seus carrões turbinados e muito Moët & Chandon, se frequentam as melhores baladas, se há ostentação, muitas viagens internacionais, ah e o sobrenome humm isso é importante não vamos esquecer, outra coisa importante quantos amigos no Facebook ele(a) tem, seguidores no instagram e no twitter, suas roupas são de marcas, aquela foto sensual, e..........

A vitrine do gado,

Não serei hipócrita, tenho muitas fotos na rede, nesse momento me sinto ridículo e assustado, pois tenho muito na rede, toda minha vida exposta, intimidades e particularidades que deveriam ser mais preservadas, e sei que já não tenho mais controle sobre isso, mesmo que queira.
Como chegamos a isso?

Como somos selecionados e selecionamos nosso “amor” nesse cardápio infinito da “WEB”?

Amor?

Não creio ser possível encontrar, salvo aqueles iluminados pelos santos “bits e bytes”, que conseguem nesse imenso oceano encontrar um grãozinho de areia premiado com “verdades e caráter”.

Selecionamos nossos “amigos” virtuais por aquilo que seu álbum de fotografias nos mostra, sua vitrine é o cardápio de consumo desse produto; “você”!

Tudo bem, simpatizamos primeiramente pelas feições antes do caráter, antes de conhecer seus pensamentos.

Ai você aceita mais um “amigo” virtual para seu clubinho, mas não consegue trocar mais que 10 palavras sem colocar uma carinha ou figurinha, suas respostas se resumem muitas vezes a uma simples palavra, “sim”, “não”, “humhum”, “tbm”, e por ai vai.

Estamosemburrecendo a sociedade, leiloando nossos sentimentos, vendendo nossos corpos e aprisionando nossos corações, nem vamos falar sobre evolução ou espiritualidade, senão choramos juntos.

Hoje sou figurinha em vários álbuns por ai, e muitas figurinhas tenho em meus álbuns, as vezes eu tento e já tentei usar dessas ferramentas de relacionamento, mas o resultado sempre fica claro e não tenho mais dúvidas quanto sua real utilidade e valor para mim.

Ninguém vai me conhecer olhando minhas fotos, os lugares por onde passei, as coisas que tenho ou usei, por minhas roupas ou pelo meu carro.

Irão saber o que tenho, onde fui, como fui, com quem fui, quanto gastei, irão saber sobre coisas e não quem sou!

Quem sou, você só irá saber se conversar virtualmente mais que duas palavras, ou quando me conhecer esquecer desse mundo virtual e viver o momento, estamos tão envolvidos com a tecnologia, com esse mundo “virtual” que esquecemos como é andar de mãos dadas, como é querer estar realmente com alguém todo momento do dia que for possível, nem que seja para ver por um segundo, como é fazer amor e simplesmente ficar ali paradinho sem pressa, sentindo a respiração do outro, dormir de conchinha, beber uma taça de vinho curtindo cada segundo com as trocas de olhares, mas tudo está conectado, então você tem que atualizar seu “status”, ver se alguém curtiu sua foto, e os comentários, saber se seus amigos irão aprovar seu novo namorado, sua família, a sociedade e o que ele irá lhe proporcionar.

Que saudades das cartas,
Que saudades dos bilhetes trocados, escondidos em um caderno,
Que saudades do recado enviado por um amigo, as vezes cupido,
Que saudades daqueles olhares que não tinham só maldades, tinham também, mas era tudo diferente,
Que saudades das promessas de amor,
Que saudades do respeito pelo parceiro,
Que saudades dos bons costumes e do caráter,
Que saudades da época que não tinha internet,
Que saudades dos encontros na biblioteca, e aquele suspense e tensão,
Que saudades dos encontros casuais que na verdade não tinham nada de casuais, andávamos quadras para o casual acontecer,
Que saudades de quando não éramos só vitrines.

Que a tecnologia e a evolução me perdoem, mas

Quero voltar para o fundo da prateleira e ser vendido pelo rótulo e não pela embalagem.

R.M.

me escreva uma carta, não quero seu like no face!

.