Quero sair da vitrine e ficar no fundo
da prateleira!
Nada está mais banal que os
relacionamentos.
São tantas formas para se
relacionar “virtualmente” que estamos perdendo o bom senso, e confundindo a
realidade.
Desejos são vendidos em vitrines, substituindo
os sonhos e os sonhos confundidos com consumos impulsivos.
Outrora,
A paixão avassaladora crescia
entre cartas e uma ou outra foto mal definida, o primeiro encontro era como uma
lenda, um conto de fadas, algo tão esperado que chegava a dar náuseas e insônias
de tanta sensibilidade e energias que este momento causava.
A espera pelo carteiro, a desilusão
quando nenhuma carta chegava, e a alegria indescritível de correr para um lugar
reservado e abrir a carta tão esperada, o inevitável tentar sentir o cheiro do
amado (a) na carta, o carinho em manusear o que era apenas um papel com um
pouco de tinta, nada se compara a este momento.
Quantos poemas,
Quantas palavras verdadeiras,
Quanto sentimento,
Quanta energia boa na espera do
primeiro encontro,
Quanto valor, dedicação e comprometimentos envolvidos em um simples papel.
A primeira troca de olhares, o
comprimento, o beijo na mão, quando ousado no rosto, uma caminhada no parque, o
banco mesmo pequeno parecia imenso pelos poucos centímetros que afastava os
amantes, que aos poucos entre trocas de olhares e palavras envergonhadas, de
fato começavam uma relação de amor.
As dezenas de cartas trocadas eram
suficientes para que cada um conhecesse ao outro a ponto de reconhecer as
semelhanças e suas diferenças, desejos e sonhos trocados e muitas vezes
divididos, muitos encontros se tornaram histórias de amor, eternas e das mais
belas.
Toda intimidade era transcrita
nas cartas, sinceridade, respeito, fantasias, decepções, tristezas, alegrias,
dores, paixões e desejos eram trocados, de olhos fechados no conforte de suas
camas, a imaginação criava “baseado” em palavras o “amor” de sua vida e assim ia-se
criando uma relação de confiança, respeito e parceria onde o final seguramente
seria uma relação verdadeira.
Conhecia-se pelo que era como
pessoa e não fisicamente, a paixão, o amor, e a amizade era construída totalmente
antes do físico tornar-se real e materializado em sua frente.
Amava-se pelo quem somos e não
pelo que somos ou temos.
Nada era perfeito, verdade, a
mentira já existe desde sempre, o interesse também, mas ainda haviam muitos sonhos.
Hoje,
O primeiro contato é visual,
facebook, instagram, tinder, twiter, badoo, match e umas dezenas senão centenas de
sites de relacionamentos, construídos em pilares totalmente superficiais, sem
conteúdo, nem mesmo a essência do romantismo se encontra em qualquer site de
relacionamento.
Fotos, muitas fotos, baladas,
roupas intimas, roupas de marca, roupas fashionistas, nuds, carros poderosos, joias,
lugares exóticos, ostentação e muita vitrine, corpos sarados, dentes reluzentes,
poses e muito consumo, consumos e consumos, como gados em uma feira.
Ai você escolhe as mais lindas
meninas, saradas, corpinhos modelados, narizinhos afinados, roupinhas
justinhas, meninos com barriguinha de tanquinho, com seus carrões turbinados e
muito Moët & Chandon, se frequentam as melhores baladas, se há ostentação,
muitas viagens internacionais, ah e o sobrenome humm isso é importante não vamos
esquecer, outra coisa importante quantos amigos no Facebook ele(a) tem,
seguidores no instagram e no twitter, suas roupas são de marcas, aquela foto
sensual, e..........
A vitrine do gado,
Não serei hipócrita, tenho muitas
fotos na rede, nesse momento me sinto ridículo e assustado, pois tenho muito na rede, toda minha vida exposta, intimidades e particularidades que
deveriam ser mais preservadas, e sei que já não tenho mais controle sobre isso,
mesmo que queira.
Como chegamos a isso?
Como somos selecionados e selecionamos
nosso “amor” nesse cardápio infinito da “WEB”?
Amor?
Não creio ser possível encontrar,
salvo aqueles iluminados pelos santos “bits e bytes”, que conseguem nesse
imenso oceano encontrar um grãozinho de areia premiado com “verdades e caráter”.
Selecionamos nossos “amigos” virtuais
por aquilo que seu álbum de fotografias nos mostra, sua vitrine é o cardápio de
consumo desse produto; “você”!
Tudo bem, simpatizamos
primeiramente pelas feições antes do caráter, antes de conhecer seus
pensamentos.
Ai você aceita mais um “amigo”
virtual para seu clubinho, mas não consegue trocar mais que 10 palavras sem
colocar uma carinha ou figurinha, suas respostas se resumem muitas vezes a uma
simples palavra, “sim”, “não”, “humhum”, “tbm”, e por ai vai.
Estamos “emburrecendo” a sociedade, leiloando nossos sentimentos, vendendo
nossos corpos e aprisionando nossos corações, nem vamos falar sobre evolução ou espiritualidade, senão choramos juntos.
Hoje sou figurinha em vários álbuns
por ai, e muitas figurinhas tenho em meus álbuns, as vezes eu tento e já tentei
usar dessas ferramentas de relacionamento, mas o resultado sempre fica claro e não
tenho mais dúvidas quanto sua real utilidade e valor para mim.
Ninguém vai me conhecer olhando
minhas fotos, os lugares por onde passei, as coisas que tenho ou usei, por
minhas roupas ou pelo meu carro.
Irão saber o que tenho, onde fui,
como fui, com quem fui, quanto gastei, irão saber sobre coisas e não quem sou!
Quem sou, você só irá saber se
conversar virtualmente mais que duas palavras, ou quando me conhecer esquecer
desse mundo virtual e viver o momento, estamos tão envolvidos com a tecnologia,
com esse mundo “virtual” que esquecemos como é andar de mãos dadas, como é
querer estar realmente com alguém todo momento do dia que for possível, nem que
seja para ver por um segundo, como é fazer amor e simplesmente ficar ali
paradinho sem pressa, sentindo a respiração do outro, dormir de conchinha,
beber uma taça de vinho curtindo cada segundo com as trocas de olhares, mas
tudo está conectado, então você tem que atualizar seu “status”, ver se alguém curtiu
sua foto, e os comentários, saber se seus amigos irão aprovar seu novo
namorado, sua família, a sociedade e o que ele irá lhe proporcionar.
Que saudades das cartas,
Que saudades dos bilhetes
trocados, escondidos em um caderno,
Que saudades do recado enviado
por um amigo, as vezes cupido,
Que saudades daqueles olhares que
não tinham só maldades, tinham também, mas era tudo diferente,
Que saudades das promessas de
amor,
Que saudades do respeito pelo
parceiro,
Que saudades dos bons costumes e
do caráter,
Que saudades da época que não
tinha internet,
Que saudades dos encontros na
biblioteca, e aquele suspense e tensão,
Que saudades dos encontros
casuais que na verdade não tinham nada de casuais, andávamos quadras para o
casual acontecer,
Que saudades de quando não éramos
só vitrines.
Que a tecnologia e a evolução me
perdoem, mas
Quero voltar para o fundo da
prateleira e ser vendido pelo rótulo e não pela embalagem.
me escreva uma carta, não quero seu like no face!
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